CBO em ação

Falta ponte da população com os oftalmologistas

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11.05.2015

O presidente do Conselho Brasileiro de Oftalmologia, Milton Ruiz Alves, foi o entrevistado do programa CBN Total, com Carolina Morand, e falou sobre as dificuldades enfrentadas pela população na hora de conseguir o atendimento oftalmológico. Ruiz Alves reforçou os projetos da Oftalmologia para incluir o atendimento oftalmológico já na atenção primária do Sistema Único de Saúde (SUS) para que com a realização de exames preventivos o número de cegueira evitável seja erradicado. A cegueira evitável configura prejuízo real para o indivíduo, seus familiares e para o País, que tem o seu PIP impactado em R$ 8 bilhões de reais por ano.

 

Ouça o áudio da entrevista na íntegra. Se preferir, veja a transcrição abaixo.

 

 

A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que o Brasil tenha quase 1,2 milhões de cegos, dos quais 700 mil poderiam ter esta condição evitada, ou revertida, caso recebessem tratamento adequado a tempo. O Conselho Brasileiro de Oftalmologia realizou hoje o V Fórum Nacional de Saúde Ocular. Eu converso agora com o presidente da entidade, o doutor Milton Ruiz Alves.

CBN: Doutor Milton, boa tarde!

MRA: Boa tarde, Carolina!

CBN: Doutor, o CBO tem inclusive um projeto chamado “Mais Acesso à Saúde Ocular”, que lista alguns pontos, algumas demandas para melhorar o atendimento aos pacientes no Brasil, não é?

MRA: Exatamente! Veja que as pessoas que têm qualquer problema de visão, porque não estão enxergando bem ou tem um desconforto ocular, procuram o SUS e são atendidas pelo médico da Saúde da Família ou pelo médico generalista. Eles não têm formação em Oftalmologia e mandam o paciente procurar o médico oftalmologista. O médico oftalmologista está na atenção especializada. Não existe esta ponte, a pessoa não sabe como procurar e como de uma maneira geral a população não tem educação em saúde, não sabe valorizar o que é importante e o que não é importante para manter a visão e o conforto visual e se manter sadio, acontece isso que você falou. Então uma parte importante das cegueiras que são evitáveis acaba não sendo evitadas.

CBN: Pois é. Quando a pessoa vai procurar este especialista ou consegue este atendimento ela já chega com o problema instalado, não é.

MRA: Por exemplo, se você considerar uma das condições que mais cegam, que é na população de 40 anos que é o glaucoma, se eu te contar a experiência do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, os pacientes que são diagnosticados com novos casos lá, 50% deles já são cegos de um olho e já tem um comprometimento importante do outro. O que significa que isso poderia ter sido evitado se a primeira avaliação dele tivesse sido realizada pelo médico oftalmologista, que tivesse levantado o histórico familiar – as pessoas que têm histórico familiar com glaucoma tem de 10 a 15 vezes mais chances de desenvolver glaucoma -, teria medido a pressão, visto o fundo de olho e diagnosticado uma doença que é silenciosa. Aí, o tratamento que é simples por meio do colírio, evitaria a pessoa caminhar para a cegueira em uma fase produtiva da vida, que vai afetar impactar negativamente a qualidade de vida dela e de toda a família. Nós podemos dar exemplos para mostrar uma situação ainda mais complicada. Veja os escolares: 5% das crianças com 7 a 8 anos de idade não enxergam bem de um olho, tem o olho preguiçoso. Chama ambliopia. Essas pessoas vão crescer e entrar no mercado de trabalho. Então na parte mais produtiva da vida, se elas sofrerem um traumatismo ocular, que é a principal causa de cegueira na fase produtiva – dos 20 aos 40 anos -, o trauma vai acontecer no olho bom, o olho que desenvolveu visão. Ela poderia ter os dois olhos com a visão desenvolvida, não teve, pois não teve acesso à consulta oftalmológica, a prescrição de óculos e eventualmente a estimulação do olho preguiçoso. Olha, 5% é um número altíssimo.

CBN: É uma coisa simples, bastaria ter o acesso ao médico. Agora doutor, o último Censo realizado por vocês mostra que a oferta de oftalmologistas no Brasil é até alta, com um oftalmologista para um grupo de 11 mil pessoas. A OMS recomenda 1 para cada 17 mil habitantes. O que acontece? Por que existe este descompasso? A gente tem os médicos especialistas e as pessoas não têm acesso?

MRA: É porque a programação de atendimento das pessoas pelo SUS e pelo Ministério da Saúde ainda não priorizou a Oftalmologia. A oftalmologia representa 10% da demanda, então não tem oftalmologista na atenção básica e nem próximo da atenção básica. O que o CBO coloca é que é preciso priorizar a Oftalmologia, nós temos número suficiente, precisa contratar oftalmologistas e colocá-los na atenção básica, precisa montar centro de alto fluxo para o atendimento desta população que não tem acesso se não as coisas não funcionam. Por exemplo, quando você tem estados – recentemente Santa Catarina abriu um concurso para Oftalmologia, muitos oftalmologistas se inscreveram e foram contratados três, o resto não interessa -, o Ministério não contrata oftalmologistas para atuar na rede básica. Isso faz parte do desenho do atendimento das pessoas pelo SUS e é sobre isso que a Oftalmologia brasileira, que o Conselho Brasileiro de Oftalmologia está chamando a atenção. Está na hora da reestruturação do SUS, de olhar para as prioridades que são doenças oftalmológicas que impactam na qualidade de vida do brasileiro – o Brasil perde R$ 8 bilhões de reais por ano por esta falta de prioridades de não olhar para as pessoas que vão ter em pouco espaço de tempo uma perda visual por doenças preveníveis, tratáveis  -, então é uma questão de prioridades, basta boa vontade, gestão e até economiza dinheiro, porque para você tratar um paciente, por exemplo, em fase final de retinopatia diabética custa muito caro, uma fortuna e o resultado é pífio. E você tratar de um indivíduo antes de ter a retinopatia diabética, com controle da glicemia e acompanhamento oftalmológico, isso custa pouco e está associado a uma qualidade de vida boa, produtividade no trabalho e sem repercutir negativamente na estrutura familiar dele e pessoal.

CBN: Quais são as principais causas de cegueira hoje no Brasil. O glaucoma ainda é a principal?

MRA: Então, nós consideramos que o que diminui mais a visão no País hoje é a catarata, que é prevenível. O governo tem um programa na área de catarata, mas ele está gastando com isso 80 a 85% do dinheiro do SUS para todas as outras doenças e esqueceu da atenção primária que poderia estar resolvendo o problema de 80 a 85% dos brasileiros. Há uma inversão: deveria gastar mais na atenção básica e depois distribuir este dinheiro na atenção especializada. Então o primeiro é catarata, depois é o erro de refração não corrigido com óculos. Então precisa ter um programa e é na verdade quando o médico oftalmologista faz o exame no paciente, o exame de refração para verificar se ele precisa de óculos ou não, que o médico identifica essas outras doenças, que é o glaucoma, que é a retinopatia diabética e a degeneração da mácula pela idade que vem depois, então é nesse momento que se faz o exame oftalmológico de refração que faz parte do exame para a prescrição de óculos é que se faz o diagnóstico. Então o que você vê normalmente são pessoas que dizem assim “não estou bem das vistas, não enxergo bem”, aí passa e vê alguém de avental branco, pode ser um camelô ou alguém em um local que vende óculos, acaba experimentando quaisquer óculos que melhora a visão e ele tem a impressão de que aquilo está resolvendo o problema visual dele. Como ele está sendo atendido por alguém  de avental branco, e ele não tem educação em saúde, ele acha que ali foi feita uma avaliação médica e ele está tranquilo. Ledo engano. Estas doenças são traiçoeiras e quando elas se manifestam já está perdida uma parte da visão, custa caro manter o que resta da visão e as vezes não é possível manter e aí a situação é complicada pessoalmente para ele, para família e para o Estado que tem que arcar com esta despesa.

 


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